segunda-feira, 2 de maio de 2011

União entre pessoas do mesmo sexo: é família?






    Tem-se diante tema fundamental que diz com a pretensão da Procuradoria Geral da República, originariamente versada em arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF nº 178 -, mas que por decisão da Presidência do Supremo Tribunal Federal, que restou irrecorrida, transmudou-se em ação direta de inconstitucionalidade – ADI nº 4277 - do artigo 1723, do Código Civil ( decisão datada de 23 de julho de 2009), que estabelece a definição legal de família.

     Idêntica pretensão, em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF nº 132 –, foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro.

     Assim está a redação do impugnado artigo 1723, do Código Civil:

Art. 1723: É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

     Essa redação, sem a menor dúvida, e como se passa a demonstrar, põe-se em plena coerência com a definição legal de família, tratada no âmbito constitucional.

     Com efeito, a Constituição Federal apresenta no Título VIII, que dispõe sobre a Ordem Social, específico capítulo, o Capítulo VII, aberto por preceitos normativos alusivos à família.

    Principia a Constituição Federal por assentar, claramente, que: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. ( art. 226, caput, grifei ).

    Prossegue o tema sendo versado nos oito  ( 8 ) parágrafos do art. 226, ficando estabelecido: o casamento civil como expressão própria e celebrativa da família ( §§ 1º e 2º ); a ampliação do conceito de família ( §§ 3º e 4º ); a posição dos cônjuges na instituição familiar ( § 5º ); a dissolução familiar ( § 6º ); o planejamento familiar (§ 7º ) e a família como espaço propício à paz ( § 8 ).

    Marcando, de plano, o casamento civil como expressão própria e celebrativa da família, a Constituição federal na união conjugal da mulher e do homem e do homem e da mulher define o vínculo familiar.

    Essa afirmação tanto mais é reforçada quando, no § 3º, do art. 226, com o qual guarda total sintonia o artigo 1723 do Código Civil, o conceito de família define-se, também,  na “... união estável entre o homem e a mulher”, que há de ser protegida pelo Estado e, ao legislador, indicada é a tarefa de “facilitar sua conversão em casamento”.

    Também o caráter monoparental, quando desfeito e abandonado o vínculo, e desde que presente descendência sob guarda e tutela da mulher e do homem, que remanesceu, família é. Tal o límpido sentido do § 4º, do art. 226, verbis:

§4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes,


     Na permanência do vínculo familiar, o § 5º, do art. 222, não privilegia a mulher, ou o homem. Textual, coloca-os em plano de perfeita igualdade. De se ler: “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

    Por fim, o § 7º, do art. 226, forte nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, prescreve: “... o planejamento familiar é da livre decisão do casal”. Tem-se, pois, que a procriação insere-se no âmbito familiar.

    Ora, diante de quadro normativo tão cristalino, é manifesto que a união homossexual não está contemplada como família, no texto da Constituição Federal.

    Não colhe dizer-se que a Constituição Federal nada disse sobre a união civil dos homossexuais; ou que essa união está implicitamente reconhecida no artigo e parágrafos que se vem de examinar; ou que é por aplicação analógica que se infere a união homossexual como família.

    Repito: a Constituição Federal, sem subterfúgios ou dúvidas, bem assentou que: a família é a base da sociedade; o casamento da mulher com o homem e do homem com a mulher é a expressão própria e celebrativa da família; a união estável da mulher com o homem e do homem com a mulher é família; mulher e homem, homem e mulher, no vinculo familiar, estão em total plano de igualdade; e a mulher e o homem, o homem e a mulher são plenamente livres na decisão sobre a filiação inerente ao estado conjugal.

    O texto constitucional – é de se dizer – caminha corretamente na definição do tema.

    Assim como a opção de vida por ser só – ser solteiro - família não é, também a opção de vida por ser homossexual, família não é.

    Família não é, nessas situações – ser solteiro e ser homossexual -, porque o conceito de família identifica-se na complementaridade interpessoal, que só pode acontecer no diferente - não se complementa o que é só e o que é idêntico - portanto no hetero, assim como a geração da vida só pode acontecer na diferença sexual, na heterossexualidade, portanto, dado o indeclinável componente físico-biológico-psíquico necessariamente presente nessa específica e própria realidade da heterossexualidade.

    A opção pela homossexualidade há de ser respeitada e a pessoa homossexual ter, também, respeitada a sua dignidade humana.

    Todos os direitos de caráter patrimonial decorrentes do viver em comum – alimentos, sucessórios, percepção de benefícios previdenciários, declaração conjunta para efeitos de imposto de renda, etc. – hão de ser conferidos à pessoa homossexual.

    Nesse elenco, por certo, não se insere o direito à adoção, ou qualquer outro que se constitua em matéria exclusiva e, de todo, pertinente à instituição familiar.

     Passo a pontuar as razões que inspiraram o posicionamento da autora, a il. Subprocuradora-geral, Dra.Deborah Pereira.

     Rememoro, antes de fazê-lo, que o artigo 1565 do Código Civil, em perfeita sintonia com o cogitado artigo 1723, é textual no referir-se ao homem e à mulher como sustentáculos da família, verbis:

Art. 1565: “Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.”
( grifei ).

  

    Suscita desconformidade do impugnado artigo 1723 do Código Civil com o princípio constitucional da igualdade ( itens 22 a 37 da petição inicial na ADPF nº 132 ).

    Ora, definir-se família quer na celebração matrimonial da mulher e do homem, quer na união estável da mulher e do homem, desse conceito jurídico excluindo-se a relação homem-homem e mulher-mulher não significa estabelecer-se preconceito de qualquer ordem, sacramentar-se qualquer discriminação. Tanto não significa porque quer o legislador constituinte, quer o legislador ordinário, em quadro de absoluta coerência, ambos fixaram na diversidade sexual, ensejadora da complementaridade estrutural entre o ser fêmea e o ser macho e motivadora da perpetuação das gerações humanas, o dado de identificação do conceito de família.

    Impossível, resta claro, dizer-se de ofensa ao princípio da isonomia.

    A Autora alinha série de argumentos – seriam pecaminosas as relações homossexuais; seriam contra a natureza das coisas; seriam estéreis; seriam estímulo a práticas sexuais desviantes; seriam estimulantes à conversão da heterossexualidade em homossexualidade; seriam ofensivas à moralidade dominante ( itens 38 a 62 ) – em favor da constitucionalidade do artigo 1723, do Código Civil.

    Data maxima venia, toda a fundamentação, que elaboro, nada tem a ver com os pontos acima suscitados.

    Apresenta-se como transgredido o princípio da dignidade da pessoa humana, porque as uniões homossexuais de tudo estariam privadas; alimenta-se cultura homofóbica da sociedade e instrumentaliza-se a pessoa homossexual ( itens 63 a 76 ).

    Está muito claro, e deixado por bem expresso nesse escrito, que o cerne da questão diz com a compatibilidade constitucional do artigo 1723, do Código Civil na compreensão do artigo 226 e §§, da própria Constituição, tema que se restringe à definição jurídica de família como unicamente pertinente ao convívio público, contínuo e duradouro entre a mulher e o homem.

    Está cristalinamente dito que a união homossexual tem, para seus componentes, garantido todos os direitos de índole obrigacional.

    Dizer-se que o conceito de família, e por toda a motivação aqui deduzida, é pertinente à heterossexualidade, e não à homossexualidade, obviamente não alimenta qualquer cultura homofóbica – senão estaria eu, aqui e agora, a assumir ato ilícito – e tampouco estou a instrumentalizar quem quer que seja que se definiu homossexualmente.

    Aborda-se a “ofensa ao direito à liberdade”, desenvolvida nos itens 76 a 83.

    Reconhece a Autora que:

79. “Com efeito, tão óbvia é a importância da livre constituição da família para a realização da pessoa humana que ela nem precisa ser aqui enfatizada. Afinal, é em geral na família que o indivíduo trava as suas relações mais profundas, duradouras e significativas; é nela que ele encontra o suporte espiritual para os seus projetos de vida e o apoio moral e material nos seus momentos de maior dificuldade.”

    Curioso que em passagem anterior de sua petição, precisamente no item 52, a Autora, valendo-se de palavras do Professor Gustavo Tepedino diz:

“Hoje, afirma-se que a família não é protegida pela Constituição como um fim em si, mas antes como um meio, que é tutelado na medida em que permite que cada um de seus integrantes se realize como pessoa, num ambiente de comunhão, suporte mútuo e afetividade.”
( grifei ).

    Posiciono-me pela essencialidade da família à formação integral da pessoa eis porque, e como é explícita a nossa Constituição, à formação dessa integralidade importa o conhecer e o conviver com a mãe e com o pai, com a mulher e com o homem.

    A Autora deduz rápido arrazoado – itens 84 a 91 – a cogitar de desrespeito à segurança jurídica porque temas sobre partilha de bens, herança, alimentos, fiança e alienação de bens do patrimônio comum quedam indefinidos, inclusive ante terceiros.

    Data maxima venia, esses temas inserem-se no âmbito patrimonial e obrigacional e, como aqui já ressaltado, não são afetados pela afirmação da constitucionalidade do artigo 1723, do Código Civil.

    A Autora contempla, ainda, “a interpretação sistemática e teleológica do art. 226, § 3º, da Constituição” ( itens 92 a 112 ).

    Considera válido recorrer-se à interpretação analógica, fazendo-o com suporte no pensamento da Professora Maria Celina Bodin de Moraes em transcrição que assim faz:

“O raciocínio implícito a este posicionamento pode ser inserido entre aqueles que compõem a chamada teoria da norma geral exclusiva segundo a qual, resumidamente, uma norma, ao regular um comportamento, ao mesmo tempo exclui daquela regulamentação todos os demais comportamentos. Como se salientou em doutrina, a teoria da norma geral exclusiva tem o seu ponto fraco no fato de que, nos ordenamentos jurídicos, há uma outra norma geral ( denominada inclusiva ), cuja característica é regular os casos não previstos na norma, desde que semelhantes e de maneira idêntica. De modo que, frente a uma lacuna, cabe ao intérprete decidir se deve aplicar a norma geral exclusiva, usando o argumento a contrario sensu, ou se deve aplicar a norma geral inclusiva, através do argumento a simili ou analógico.”
( transcrição, como feita, no item 99, grifei ).

     Essa transcrição não tem adequação para o disposto no artigo 1723, do Código Civil.

    O artigo 1723, do Código Civil, no que enuncia, e como enuncia, além de traçar a previsão de situação certa, identificada em casos próprios – daí não se pode falar de “casos não previstos na norma” – não apresenta qualquer lacuna, por óbvio, eis que  textual, objetiva e claramente, e em perfeita sintonia com o mandamento constitucional expresso no § 3º, do artigo 226, insisto, define a união estável como a que acontece “entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, e estabelecida com o objetivo de constituição de família”.

    A leitura insofismável desse preceito é: união estável entre homem e mulher é família.

    Impossível, data maxima venia, querer-se manejar com a analogia, que é procedimento integrativo ao que está omisso na dicção normativa, em quadro legal absolutamente completo e integral.

    Eis porque, e diante de realidade em tudo comparável com o caso presente, o Conselho Constitucional da França, em recentíssima decisão, denegou o pleito de organizações homossexuais que buscou estabelecer a inconstitucionalidade de preceitos do Código Civil francês no que definem família como a união da mulher e do homem, e não do homem com o homem e da mulher com a mulher.

    O Conselho Constitucional considerou não haver qualquer discriminação, a propósito, e que é da alçada do Parlamento adotar qualquer modificação normativa, nesse sentido, consoante decisão assumida aos 27 de janeiro do corrente ano, e publicada no dia 28, imediato, no pleito formulado por Mmes. Corinne C e Sophie H, decisão essa registrada sob o nº 2010-92 QPC e que, assim se concluiu:

                                      DÉCIDE:

    Article 1er. – Le dernier alínea de l,article 75 et l,article 144 du code civil sont conformes à la Constitution.

    Article 2. – La présente décision sera publiée au Journal officiel de la Republique française et notifiée dans les conditions prévues à l,article 23-11 de l,ordonnance du 7 novembre 1958 susvisée.

    Na verdade, quando o texto normativo, tal o disposto no artigo 1723, do Código Civil,  é textual, objetivo e claro, nunca lacunoso, e por tudo o que até aqui se disse, a modificação que se queira no texto não cabe ao Poder Judiciário encetá-la, mas ao Poder Legislativo, como bem assentou o Conselho Constitucional da França.