quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

AH! SE NÓS PUDÉSSEMOS

                                    

Homens há que tornam públicas cartas privadas, que escrevem, e que – tamanha lástima – revelam os apegos que têm a cargos públicos e ao loteamento dos mesmos para sempre gravitarem em torno de benesses espúrias.
Homens há que, transtornados pela insaciável sede de poder, maquinam ininterruptamente, engendram cotidianamente, esquemas ardilosos, valendo-se de um séquito de capachos, que lhe são agregados por inconfessáveis razões, irmanados todos em sucessão de barganhas.
Homens há que conspurcam até mesmo as práticas esportivas, enlameando atividades que deveriam se notabilizar pela competição transparente e cavalheiresca – o fair play -, transformando o que é sadia expressão de vida para todas as gerações em balcão corrupto de negociatas.
Homens há que, pelo mister profissional que desempenham, deveriam conduzir-se com discrição e cingir-se a pronunciamentos objetivamente fundamentados, mas resvalam para o estrelato e alimentam a ávida e superficial mídia jornalística com inadequadas afirmações porque carregadas de subjetivismo marcadamente emocional e rancoroso.
O Natal é o tempo propício para que não pactuemos com esse estado de coisas.
Não para que nos revoltemos, não para que percamos a esperança e nos tornemos lamurientos pessimistas, não para que execremos e excluamos essas pessoas.
O Natal, que é nascimento, é sempre a certeza do novo e a possibilidade presente, e real, do que nos escapa, mas que podemos alcançar: o imponderável que ultrapassa o inexorável.
Para valer-me do Papa Francisco, em escrito na Bula de Proclamação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia:
“Não nos deixemos cair na indiferença que humilha, no comodismo que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói.” (Bula de Proclamação nº 15).
Sim, a indiferença, o comodismo e o cinismo obscurecem e impedem o sopro (= espírito) que a filiação divina nos legou, e que habita em nós, para que não desanimemos, para que, impulsionados, estejamos, sempre, não importa a dimensão do espaço atingido, mas estejamos, sempre, em missão.
Natal é despertar para a missão, e seguir.
Aliás, o convite do Deus-Amor é simples e definitivo: “segue-me”.
Jesus é o peregrino e o peregrino não se detém.
Deixo para vocês, leitoras e leitores de tanta paciência para comigo, como presença, não como presente, de Natal, essas palavras de D. Helder Câmara, lidas no livro “Um olhar sobre a cidade”:
“Se eu pudesse, à noite, no caminho das pessoas desanimadas, pessimistas, amargas, revoltadas contra tudo e contra todos, arranjaria roda de crianças brincando e cantando...
Se eu pudesse, na hora mais dura do enterro, quando o caixão é colocado terra adentro, eu faria com que voasse sobre as cabeças dos presentes um bando de passarinhos lembrando a Ressurreição.
Se eu pudesse na caminhada de quem enfrentasse estradas sem fim, sem luz, sem companhia, faria surgir vaga-lumes alumiando o caminho.
Se eu pudesse, daria ao arco-íris a força mágica de desfazer ódios, intrigas, divisões, de modo que ele valesse, de fato, como sinal de entendimento, de amizade e de paz.
Ah! Se eu pudesse! E se vocês pudessem, o que aconteceria?”